História Aty Guasu

Tonico Benites-Guarani-Kaiowá e pesquisador da UFRJ

História da invasão do território Guarani Kaiowá

Tekoha Guasu Guarani e Kaiowá, 18 de dezembro de 2012.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Aty Guasu Kaiowá e Guarani em Jaguapiré-Tacuru-MS


Aty Guasu Kaiowá e Guarani em Jaguapiré-Tacuru-MS 


As comunidades indígenas do povo Guarani-Kaiowá de Mato Grosso do Sul realizarão a partir de quarta 29 de fevereiro até 4 de março seu tradicional Aty Guasu (Grande Assembleia) na aldeia Jaguapiré, município de Tacuru/MS.

Trata-se  do mais importante encontro político-religioso desse povo nativo no Estado que, geralmente, reúne entre 500 a 600 pessoas, dentre elas lideranças religiosas, caciques, rezadoras, jovens, educadores indígenas, mulheres e crianças.

Além das variadas manifestações culturais e religiosas próprias da atividade, o Conselho da Aty Guasu Kaiowá-Guarani tem pautado agora três grandes eixos: Situação das terras Kaiowá e Guarani; avanços na luta e conquista de Terra e Direitos; e instrumentos de garantia e defesa dos direitos indígenas.

Segundo a liderança Tonico Benites o Aty Guasu emergiu no final da década de 1970 como um movimento político-religioso do povo indígena Guarani-Kaiowá, pouco conhecido na época pelos representantes políticos do Estado Brasileiro. “O objetivo da luta central da Aty Guasu foi e é o de fazer frente ao processo sistemático de etnocídio/genocídio histórico, a expulsão forçada dos povos indígenas do seu território tradicional (tekoha guasu)”, assegura Benites.

Sendo uma ferramenta para a recuperação de parte do território tradicional à Aty Guasu, segundo Tonico,  é um foro legítimo de discussão, decisão, e de ação em procura da conquista de parte dos territórios antigos.  “Aty Guasu é um espaço de avaliação e aprovação de todas as políticas públicas (educação escolar, saúde, segurança pública, etc.) que atingem o povo Guarani-Kaiowá”, afirma a liderança.

Fonte: CPT/MS

A história e trajetória de vida do rezador ñanderu Nisio Gomes," com vida nunca abandonar a luta pela terra antiga"


NOTA DE ATY GUASU 

O objetivo desta nota das lideranças da grande assembléia Guarani e Kaiowá Aty Guasu é explicitar em detalhe e socializar a história e trajetória de vida do rezador ñanderu Nisio Gomes.

Nossa iniciativa tem o sentido de reafirmar a grande honradez e dignidade de uma autoridade religiosa e espiritual de nosso povo, que vem sendo atacada de forma leviana ao longo das investigações sobre o ataque sofrido pelo grupo de Nísio, no Tekoha Guaiviry, em 18/11/11.

Assim, destacamos que, ao longo das últimas três décadas, na condição de rezador  e protetor de território, vida e cultura sagrada guarani e kaiowá, Nisio Gomes participou de todas as grandes assembleias Aty Guasu coordenando o ritual religioso. Por essa razão, ele é bem conhecido tanto pelas autoridades federais como pelas lideranças guarani e kaiowá de todas as aldeias do Cone Sul-MS.

A família extensa do Nisio Gomes é originária do território tekoha guasu Guaiviry, ele nasceu no tekoha Guaiviry, casou-se com a também rezadora Odúlia Mendes, já falecida. Já casado, foi expulso do Guaiviry em meados da década de 1970. O Nisio tem dois filhos, duas filhas e vários netos (as). Analfabeto, Nísio tampouco sabe falar bem o português, entende com dificuldade a língua portuguesa. O Nisio, no último ano, estava meio doente, portanto tomava remédio caseiro diverso. Não come as comidas salgadas e nem doces.

Ao longo das três décadas, o Nisio Gomes foi realizador de importante ritual de batismo de crianças, que é um ritual de assentamento de nome/alma no corpo das crianças - mitã mongarai- que era realizada uma vez por mês, ou seja, 15 e 15 dias. O Nisio é portador de instrumento sagrado xiru marangatu e de várias rezas específicas para a realização de ritual de batismo. Ele é conhecedor de plantas medicinais. Como já dito, há três décadas, o Nisio, além de reivindicar o território antigo tekoha Guaiviry, passou a ocupar a função importante de liderança religiosa ñanderu. O rezador Nisio pregava na grande assembleia aty guasu que “nós lideranças guarani-kaiowá que lutamos pela recuperação dos nossos territórios antigos tekoha guasu “nós nunca devemos desistir de lutar pelo nosso tekoha e jamais abandonar nossos familiares e companheiros de luta”. “Até devemos morrer, se for preciso pela nossa tekoha guasu, para salvar muita vida e futuro de nossas crianças”, “mas abandonar a tekoha nunca, porque nos pertencemos ao nosso tekoha guasu”. Estas são algumas frases que o rezador Nisio falava com frequência. É importante destacar que o rezador/líder religioso, na cultura do povo Guarani Kaiowá, é um cargo vital irrenunciável e imutável. Conforme o regimento determinante dos rezadores, o rezador não deve abandonar o território tradicional, os instrumentos sagrados xiru marangatu, nem deve se afastar dos seus auxiliares, aprendizes, parentes, principalmente dos filhos (as), netos (as). Visto que o cargo de rezador é suporte sagrado e protetor vital do território e dos integrantes do povo Guarani-Kaiowá. No seio da família extensa e na grande assembleia aty guasu o rezador é conselheiro religioso em que prega o bom viver sagrado indígena, possuindo o poder educativo e sua autoridade religiosa é reconhecida por serem um idoso, rezador e protetor espiritual de várias famílias extensas pertencentes às diversas tekoha guasu territórios indígenas do Cone Sul de MS.

Baseado nesse regimento rigoroso dos rezadores Guarani e Kaiowá, o rezador Nisio Gomes com vida não deve abandonar o território antigo que ele reocupou, não deve deixar os instrumento sagradosxiru marangatu, auxiliares, aprendizes, parentes, sobretudo os filhos (as), netos (as), porém o território antigo reocupado Guaiviry, os filhos (as), netos (os), parentes foram abandonado por Nisio Gomes no dia 18/11/2011, por quê?? Sem dúvida, o rezador Nisio abandonou já sem vida o território tradicional tekoha Guaiviry reocupado com qual lutou três décadas e ele já sem vida deixou o instrumento sagrado xiru marangatu, familiares em tekoha Guaiviry e, por fim o Nisio não participou mais de última aty guasu só por único motivo porque o rezador Nisio foi massacrado e morto pelos pistoleiros das fazendas no dia 18/11/2011.

Luta da Aty Guasu pela efetivação dos direitos indígenas CF/88


NOTA DA ATY GUASU GUARANI-KAIOWÁ-MS

O objetivo desta nota do conselho da grande assembleia Guarani-Kaiowá Aty Guasu é destacar os direitos indígenas garantidos na Constituição Federal de 1988. A princípio a Constituição Federal de 1988 reconhece os povos indígenas integralmente como ser Humana e capaz, passando a possuir os direitos humanos. Até a Constituição de 1988 o Estado Brasileiro atribuía aos povos indígenas a condição de “relativamente (in)capazes”, ou seja, nós indígenas fomos há séculos  juridicamente considerados como sub-humano, nós  “índios”não teríamos a condição e capacidade Humana, não éramos tratados como pessoas humanas, por essa razão mesmo foi criada órgão indigenista tutor. Importam explicitar que a Constituição Federal de 1988, art. 231: reconhece os direitos à nossa organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Assim, a partir de 1988 a tutela indígena e incapacidade dos índios são juridicamente superadas, portanto nós indígenas passamos a ser compreendido como sujeito de direitos, humanas e cidadão primeiro brasileiro. Essa Lei Federal garante-nos os direitos de recuperar as terras que tradicionalmente ocupamos. Além disso, temos direitos de nós manifestarmos, propor e lutar pelas políticas públicas específicas de reparação, visto que fomos historicamente taxados de não humano, explorados, massacrados, expropriados e expulsos de nossos territórios antigos. Neste sentido amplo, o Estado-Nação Brasileiro possui imensa dívida com nós indígenas.  Até o momento, apenas duas políticas públicas específicas (saúde indígena e educação escolar indígena) foram em parte implementadas para atender especificidades dos povos indígenas. Apesar da existência de nosso direito a recuperar as nossas terras antigas, porém entendemos que até hoje não há ainda uma política clara do Governo Federal para efetivar a demarcação definitiva das nossas terras tradicionais, isto é, em nossa visão não existe uma posição e ação segura do Estado-Nação e da Justiça para efetivar a devolução da parte dos nossos territórios tradicionais reivindicados. Exemplo: a identificação e demarcação de nossos territórios Guarani-Kaiowá iniciadas pela Fundação Nacional dos Índios (FUNAI) ao longo das décadas de 1990 e 2000 se encontram todas paralisadas nas Justiças.

Diante desse contexto histórico, gostaríamos de evidenciar que em geral, nós povos indígenas temos também direitos garantidos nos documentos internacionais importantes, tais como: a Convençãonº 169 sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT, 1989), ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 143 de 25 de julho de 2002; a Declaração das Organizações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas (ONU, 2007); e a Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais da UNESCO ratificada pelo Decreto nº 485, de 19 de dezembro de 2006.

Estes documentos reconhecem a contribuição dos povos indígenas para a diversidade cultural, considerada “patrimônio comum da humanidade” (ONU, 2007; 2) e para a formação das sociedades nacionais e de suas identidades socioculturais, apresentando uma série de diretrizes para que os Estados Nacionais desenvolvam ações voltadas para a efetivação “dos direitos sociais, econômicos e culturais desses povos, respeitando sua identidade social e cultural, costumes, tradições e suas instituições” (OIT, 1989: 23). A Convenção da Diversidade das Expressões Culturais, por sua vez, recomenda aos Estados adotarem medidas para proteger e promover a diversidade cultural considerando esta como estratégica para o desenvolvimento sustentável nacional e internacional.

Compreendemos que a Constituição do Brasil de 1988 e os marcos legais estabelecidos pelos Organismos Internacionais instauraram as bases para o desenvolvimento de políticas públicas específicas voltadas para a efetivação dos nossos direitos diferenciados como os povos indígenas primeiros brasileiros. Importante dizer que as nossas diferenças culturais constituem um dos fatores determinantes para a criação de programas e políticas governamentais particulares. Desse modo, as nossas histórias, culturas e direitos acabam por indicar a construção das políticas públicas específicas nas áreas de: educação, saúde, cultura, segurança/defesa dos territórios tradicionais entre outros.

Como já dito, até hoje, há duas políticas públicas criadas para atender as especificidades dos povos indígenas nos setores da saúde e da educação. Por meio da Portaria nº 254 de 31 de janeiro 2002 o Ministério da Saúde aprova a Política Nacional de Atenção à Saúde Indígena que visa compatibilizar a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990) com a Constituição Federal. O principal objetivo desta política é garantir aos povos indígenas o acesso à atenção integral e diferenciada à saúde considerando a diversidade sociocultural destes povos, bem como a eficácia suas medicinas tradicionais e o direito às suas culturas. Para tanto, foi criado no âmbito do Sistema Único de Saúde, o Subsistema de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas que institui os Distritos Sanitários Especiais Indígenas como forma de organização de serviços em espaços etno-culturais delimitados (Ministério da Saúde, 2002; 13).

No caso da educação a Constituição prevê o direito dos povos indígenas a terem acesso à educação formal diferenciada configurada pelo ensino bilíngue – português e línguas indígenas – e pela utilização de processos próprios de aprendizagem. A Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008, torna obrigatório à inclusão de conteúdos de história e cultura indígena no currículo oficial da rede de ensino nacional. Enquanto o Decreto nº 6.861, de 27 de maio de 2009, dispõe sobre a educação escolar indígena e a sua organização dos territórios etnoeducacionais, regulamentando o direito constitucionalmente garantido.

Enfim, de modo similar, pensamos que seria necessário se construir uma política do Estado para a devolução/demarcação definitiva das partes de nossas terras tradicionalmente ocupadas por nós Guarani-Kaiowá do Mato Grosso do Sul.

Artigo 26 
  1.  Os povos indígenas têm direito às terras, territórios e recursos que possuem e ocupam tradicionalmente ou que tenham de outra forma utilizado ou adquirido.
  2. Os povos indígenas têm o direito de possuir, utilizar, desenvolver e controlar as terras, territórios e recursos que possuem em razão da propriedade tradicional ou de outra forma tradicional de ocupação ou de utilização, assim como aqueles que de outra forma tenham adquirido.
  3. Os Estados assegurarão reconhecimento e proteção jurídicos a essas terras, territórios e recursos. Tal reconhecimento respeitará adequadamente os costumes, as tradições e os regimes de posse da terra dos povos indígenas a que se refiram.


Cientes de nossas histórias e direitos, como povos indígenas, nós lideranças da Aty Guasu Guarani-Kaiowá vamos lutar reiteradamente pela efetivação dos nossos direitos no Estado do Mato Grosso do Sul e Brasil.

Atenciosamente,                              
Os membros do Conselho da Assembleia Geral Aty Guasu Guarani-Kaiowá-MS

28 de fevereiro de 2012